sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

China - Da Década de Nanquim até à Invasão Japonesa, com sobrevivência comunista pelo meio (1927-1937)

Os nacionalistas do KMT procederam à unificação nacional e tomaram o poder. A capital foi transferida de Beijing para Nanquim e o nome da primeira alterado para Beiping. Os senhores da guerra, que não haviam sido derrotados no campo de batalha, foram cooptados para o movimento revolucionário nacionalista e tornaram-se comandantes do Exército Revolucionário Nacional. Ou seja, a Unificação Nacional era apenas nominal e os senhores da guerra mantiveram o seu poder militar e geriam localmente. Mais do que isso, passaram a ser os "novos senhores da guerra", figuras prestigiadas que desempenhariam cargos políticos.

Chiang Kai-shek, o generalíssimo, tornou-se Presidente do Conselho de Estado. Nesta ditadura militar, ele dominava a todos os níveis, exército, partido e governo. Aquela que é designada como a Década de Nanquim pode ser caracterizada como anti-comunista, com uma concentração nas virtudes da ordem, harmonia, disciplina e hierarquia. 

Existia ainda fragmentação e uma guerra com o Japão, que exercia uma atitude muito agressiva em relação à China. A época era de dificuldades.


Ainda assim, eram tempos de modernidade - pretendia-se uma nação moderna com costumes modernos (que implicavam, entre outros, a erradicação do calendário lunar, o corte da trança e o fim do enfaixamento dos pés). O Movimento 4 de Maio incorporou noções de alteração mental na sociedade. Esta modernidade pode ser apontada sob vários aspectos. Seja na entrada de produtos estrangeiros (que já vinha do século anterior) que não eram conhecidos, como a fotografia, novos meios de locomoção, o telefone e a electricidade; seja nas questões de género, com uma mudança do papel da mulher na sociedade - a mulher tradicional, "boa esposa, sábia mãe", deu lugar à nova mulher, educada, politizada e nacionalista - a ênfase era colocada nos atributos biológicos e já não nos familiares; seja na atenção dada ao culto do corpo, no sentido de preservação da vida e ligado às práticas modernas de limpeza e higiene, bem como à forma de encarar a educação física como um progresso, na medida em que o desenvolvimento físico da população faria face aos estrangeiros, podendo os cidadãos prestar assim um melhor contributo à sociedade. Ou seja, o interesse individual tornava-se colectivo, a educação física como um meio de fortalecer a nação, como já escrevia Mao Zedong, em 1917, na Revista Nova Juventude.
Veríamos ainda que o nacionalismo e a cidadania andariam de braços dados. Por esta altura promoveu-se uma cultura de consumo dos produtos nacionais como forma de defender a nação e construção de uma consciência nacional.

O governo nacionalista lançou o Movimento Nova Vida em 1934. Este era uma resposta a outros movimentos culturais e sociais surgidos na China nas décadas anteriores. Chiang Kai-shek criticava o Movimento Nova Cultura dizendo que este venerava os elementos vindos de fora, era individualista e ignorava a nação, a disciplina e a sociedade. Por outro lado, este Movimento Nova Vida era também uma reacção contra a ideia de conflito de classes surgida com os comunistas. Ou seja, pretendia ser como que uma terceira via, uma revolução cultural que implicasse também a tradição. Vai-se exigir que a sociedade como um todo mude a sua forma de agir e altere o seu comportamento, de forma a regenerar-se socialmente, o que seria alcançado através da disciplina e da ordem, ao invés da revolução violenta. Era como que uma re-orientação do povo, seguindo uma boa conduta, através do rito, da rectidão, da honestidade e do sentimento de vergonha. Ou seja, o seguimento das tradições. Começar-se-ia do simples até se chegar ao complexo - reforma exterior, da higiene ao comportamento, até uma reforma interior, a regeneração moral com tomada de consciência dos problemas. Tudo isto no sentido do fortalecimento do estado.

Este movimento gerou algum entusiasmo nos dois primeiros anos, mas depois foi desaparecendo. Houve uma falta de interesse por parte dos cidadãos e muitos viam-no como algo extremamente superficial. Entendiam que o estado estava preocupado com certas condutas dos indivíduos, mas no fundo não trazia nada à população e não transformaria as suas vidas, ou seja, era apenas um conjunto de obrigações sem contrapartidas.

Esta década foi ainda marcada pelos conflitos com o Japão.
Como antecedente, refira-se que com o Tratado de Shimonoseki, em 1895, o Japão já tinha conseguido ficar com a Península de Liaodong. Os planos para criação de uma Manchúria independente por parte dos japoneses já eram antigos. A partir da exploração da linha férrea por parte da Companhia de Caminhos de Ferro do Sul da Manchúria (privada, mas com intervenção do governo japonês), esta vai extravasar as suas competências e passar a administrar a cidade, cobrando impostos, planeando a cidade, construindo estradas, redes de água e gás e investindo em escolas. Seguiu-se um modelo de administração que incluía um plano para explorar a agricultura, as minas e a indústria de terras ao longo do caminho da linha. Esta linha de caminho de ferro passa a assumir um carácter urbanizado, pois ao seu longo são implantadas fábricas e outras infra-estruturas essenciais a um plano urbanístico. A China é incapaz de se opor a este avanço japonês. 


Em 1931 deu-se a invasão da Manchúria, sem surpresa, uma vez que o contexto da época era o de uma expansão territorial japonesa, que se via portadora do direito e da obrigação moral de liderar a Ásia contra o domínio ocidental. A unificação da China em finais da década de 20 fez com que os japoneses se sentissem de alguma forma ameaçados nos seus interesses na Manchúria,  à medida que o estado chinês se ia fortalecendo e nele crescendo um sentimento nacionalista e anti japonês. O incidente de Mukden, em Setembro de 1931, foi o pretexto para a invasão. O livro Lotus Azul de Tintin recria livremente os factos. Os japoneses dizem que houve um acto de sabotagem por parte dos chineses numa linha de caminho de ferro, embora não houvessem grandes vestígios da alegada bomba. O Japão pensou na anexação, mas acabou por recorrer a outra solução: a criação do Estado do Manchukuo em 1932. A prática mostraria que este era um estado fantoche, pois a governação era seguida pelos japoneses e em função dos seus interesses.

Em termos de política interna na China, os comunistas iam preparando o seu caminho em tempos de governação nacionalista. O PCC havia sido criado em 1921 e começou por ser aliado do KMT. Após a purga dos comunistas e o fim desta primeira aliança, o partido organizou-se clandestinamente. Foram enviados um conjunto de indivíduos para a Rússia - os 28 bolcheviques - e uma nova liderança foi criada, a qual seguia uma orientação estalinista de acção a partir das cidades para dai conquistar todo o território - orientação que seria posta em causa por Mao, que entendia que a solução estaria nas zonas rurais e na organização dos camponeses. Ou seja, colocava a ênfase nos camponeses e não no proletariado, ao contrário das teorias marxistas-leninistas.

Até 1929, Mao utilizou a argumentação em linha com o que defendia a liderança do PCC, segundo a qual a liderança do operariado era fundamental, sem prejuízo de se ter em atenção o campo. No entanto, a partir daí Mao irá defender a imediata formação de sovietes rurais, com confisco da terra e sua redistribuição. Nas montanhas de Jianggang irá aplicar a sua política de distribuição de terrenos menos férteis para os camponeses ricos. Mas há oposição e Mao é confrontado com uma falta de consenso que não esperava, o que influenciou a sua acção para o futuro.

Criou, então, o soviete de Jiangxi - Fujian com mobilização das massas para participação no processo revolucionário. Passa a falar de uma redistribuição de terras igual para todos, ou seja, um compromisso com os camponeses ricos, terratenentes e intelectuais (os quais passam a ser utilizados para a educação de massas). Em Novembro de 1931 foi criada a República Soviética Chinesa, onde Mao tem o papel mais alto da administração. Todavia, em seguida Mao é afastado por discordâncias com altos membros do PCC e por este território ser constantemente atacado por forças do KMT. Serão os 28 bolcheviques que irão liderar esta República e Mao é colocado de lado e criticado pela sua política conciliatória e aclassista. 

Por intervenção do KMT, que procede ao "Extermínio dos Bandidos", cercando e bloqueando economicamente o soviete de Jiangxi - Fujian, os comunistas são obrigados a retirar e vão deslocar-se para norte, em fuga, dando início à Longa Marcha (1934-35). A sua liderança fica destroçada e é abandonada a estratégia soviética de organização centrada nos núcleos urbanos. Chega-se à conclusão de que os 28 bolcheviques estavam errados e a figura de Mao é reabilitada.


Apenas um quinto dos que participaram na Longa Marcha chegaram ao seu destino. Esta pode ser encarada como um manifesto, um meio de propaganda, o Exército Vermelho como libertador. Os territórios por onde foi passando a Longa Marcha eram territórios de minorias étnicas, daí que se procurasse lançar sementes para colher no futuro. O PCC acaba por estar associado a um mito heróico que é o da criação da República Popular da China. No entanto, tentou dar uma ideia da Longa Marcha que não corresponde à verdade, quer quanto à área percorrida, quer quanto aos indivíduos que não chegaram ao fim (vítimas do KMT ou das condições adversas? ou dissensões e deserções?).

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