quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

China - da Revolução à Unificação Nacional (1911-1927)


O início do século XX assistiu à adopção de novas políticas (reformas Xinzheng), nomeadamente ao nível educativo, com a criação de novas escolas e a introdução de um currículo misto que abarcasse também matérias valorizadas no ocidente, como é o caso da ciência. Em 1905 foram abolidos os exames do mandarinato, instituição milenar chinesa. Foi criado um novo exército e iniciou-se um projecto e uma reforma política a nível radical: a preparação de uma monarquia constitucional. Instituíram-se assembleias provinciais através do voto, ainda que com restrições, como em todos os países do mundo na época. Ou seja, houve uma tentativa de adoptar-se uma série de ideias e técnicas ocidentais às necessidades da China, das quais a monarquia constitucional seria o culminar do processo.

Os comerciantes começaram a ascender de estatuto com a criação das câmaras de comércio e a tornarem-se activos em termos de nacionalismo e a gentry, os letrados terratenentes (aqueles que não tinham entrado na administração mas possuíam estudos), vão dedicar-se ao bem público através de obras que vão realizando, exercendo, assim, alguma influência ao nível local. Ou seja, todo um conjunto de indivíduos passam a participar no bem público e a concluir que podem também participar no estado dentro da sua estrutura. Este activismo político, com uma maior politização da sociedade, com oposição ao estado Qing, levará a uma adesão aos ideais da revolução que agora já não pretende uma monarquia constitucional. Agora deseja a república e o completo afastamento do poder dos manchus. O nacionalismo emergia, também expresso nos movimentos que iam surgindo de recuperação aos estrangeiros dos caminhos-de-ferro e direitos dos mineiros.


O revolucionário Sun Yat-Sen mesclaria nas suas políticas elementos de nacionalismo, republicanismo e também socialismo. Em 1905 alcança a fusão das várias associações que lutavam pelo mesmo fim e é criada a Associação da Aliança Chinesa, o Zhongguo Tongmenghui, cujo juramento pugnava pela "expulsão dos manchus, restauração do governo chinês, estabelecimento de uma república e igualdade da terra". Sun Yat-Sen define os "Três Princípios do Povo": nacionalismo, democracia e subsistência; bem como os quatro direitos do povo (iniciativa, referendo, eleição e destituição) e os cinco poderes do governo (aos tradicionais - sob o ponto de vista ocidental - executivo, legislativo e judicial juntava-se o controlo e a examinação). Curioso verificar como o princípio da subsistência tinha já aqui lugar, como reconhecimento da necessidade de se regular o capital e igualizar a terra. Esta é claramente uma influência dos Taiping, mas, ao mesmo tempo, vai buscar uma ideia de Mêncio para ser aplicada na nacionalização da terra (a terra dividida em nove parcelas - # - sendo que a do meio seria de trabalho comum que serviria de tributação para o estado, enquanto que nas oito restantes parcelas as famílias trabalhariam a sua terra individualmente). O objectivo da nacionalização da terra prendia-se com a tentativa de evitar a tributação excessiva e eliminar a demasiada importância dos senhorios.

A Revolução acabou por acontecer em 1911, com um golpe militar em Wuchang e não no sul da China, como esperado (Sun Yat-Sen partia de Cantão), e sem sangue. Foi de seguida constituído um governo militar em Hubei e as 18 províncias aderem à revolução e vão declarando a secessão face ao governo central. Os Qing recorrem a Yuan Shikai, que fazia parte do establishment e já tinha defendido os Qing aquando da Revolução dos Boxers. Puyi, então imperador (o último), aceita o programa de reformas imposto por Yuan Shikai que implicava a constituição de um parlamento nacional que servisse de contraponto ao poder imperial. Os revolucionários, por sua vez, viam Yuan Shikai e a sua moderação como uma alternativa válida a uma eventual guerra civil, pelo que propõem que este assuma a presidência em troca da abdicação imperial, o que viria a acontecer. 


A República é declarada a 1/1/1912 e Yuan Shikai é o seu primeiro presidente, contra todas as perspectivas que apontavam Sun Yat-Sen no seu lugar (não passou de presidente provisório). Acontece que este estava na altura nos EUA e foi outro o escolhido pela negociação dos revolucionários.

Esta revolução é um caso atípico na história da China - uma revolução que teve por base os centros urbanos, as elites, e não rurais da China. Participaram os revolucionários urbanos, os reformadores, os militares e as sociedades secretas. No entanto, as grandes figuras revolucionárias acabaram por não participar.

O período pós-revolucionário trouxe a criação de um parlamento provisório, constituído por representantes das províncias, algo conservadores, e com uma minoria de membros do Tongmenghui. O parlamento era visto como uma forma de se limitar os poderes do presidente.
Mas Yuan Shikai possuía uma grande preponderância e uma função muito limitada foi atribuída àqueles que não fossem seus apoiantes. O parlamento acabou por ser visto como um fantoche e Yuan Shikai como um traidor da República. Tentativas de depô-lo saíram frustadas e uma segunda revolução foi por ele abortada. Um movimento monárquico surge e, com ele, os sonhos de Yuan Shikai ser o novo imperador da China de uma nova dinastia a iniciar em 1916. Yuan Shikai acaba por morrer de doença e é visto hoje pela história com uma figura maldita, como um entrave às forças revolucionárias. No entanto, 1912 terá sido uma das épocas mais democráticas e com mais participação na China e o próprio Yuan Shikai era favorável à modernização, defendendo conselheiros estrangeiros e um judiciário independente - logo, a sua figura é algo complexa.

O legado da Revolução de 1911 é, pois, ambíguo. Se por um lado alcançou os objectivos de derrubar os manchus, a ordem imperial e implantar uma república, por outro lado, Yuan Shikai tornou difícil o funcionamento do parlamento e constituição, com prejuízo para a unidade nacional, permanecendo as anteriores elites no poder.


Assim, a presidência e o parlamento acabaram por ser brinquedos nas mãos dos senhores da guerra, os militares que dispunham do poder localmente (nas províncias). Assistiu-se a uma fraqueza do centro, com a disputa do poder por várias facções, entre os militares e entre estes e os letrados. 
O período dos senhores da guerra levou a uma desintegração da China em termos políticos. Havia uma autoridade central de poder, mas esta deixou de controlar grandes parcelas de território. O caos, a desordem e a violência institucionalizaram-se. A posse do poder militar permitiu o controlo de uma região pelo uso da força. A fragmentação do poder só terminaria em 1928. Esta fragmentação talvez corresponda a um padrão histórico, uma vez que entre o fim da dinastia Han (220) e o início da Sui (509) também houve um interregno, bem como após a revolta dos Boxers, em que as províncias se autonomizaram do centro com sucessivas declarações de independência. Ou talvez fosse a consequência da implementação de um projecto novo que não correu bem, uma vez que a introdução de alguns elementos ocidentais modernos não foi acompanhada pela devida assimilação mental por parte dos chineses.

Todavia, este período dos senhores da guerra acabou por ser extremamente vibrante em termos intelectuais, com o desenvolvimento da imprensa e confrontação de opiniões. Alguns senhores da guerra foram reformadores e estes estariam mais aptos do que os letrados para implementar as reformas que viriam a permitir a posterior modernização, uma vez que estes últimos eram conservadores. 

Foi ainda um grande período para escritores, artistas e empreendedores, uma vez que muitas mudanças sociais aconteceram. O Guomindang (KMT) e o Partido Comunista Chinês foram fundados nesta época, bem como outras organizações políticas, assim como emergiram diversos movimentos de estudantes, trabalhadores e mulheres. 


Um destes movimentos foi o Movimento Nova Cultura. Teve início em 1915 com a revista Juventude, renomeada Nova Juventude no ano seguinte. Aqui promovia-se um ataque aos vestígios confucionistas e apontava-se a sua incompatibilidade com as novas crenças, com a nova sociedade e com o novo estado. Emergiu uma oposição à cultura tradicional e o desenvolvimento de ideias influenciadas pelo ocidente. Havia a noção de que a república não tinha resolvido nada e tudo continuava como antes. O problema, afinal, não era do domínio manchu, mas antes um problema intrínseco à própria China, possuidora de uma cultura que a impedia de progredir. O despontar deste movimento foi motivado pelo ultimato que o Japão havia realizado à China, com 21 exigências que limitavam grandemente a sua soberania, posteriormente alteradas para 13 exigências que Yuan Shikai aceitou. Isto foi visto como uma posição de subserviência - afinal os próprios han também se deixavam subjugar, não eram só os manchus a fazê-lo. Conclusão: a China tinha mentalidade de escravo. 

Chen Duxiu, o fundador da revista Juventude (e mais tarde, em 1921, do PCC, juntamente com LinDazhao), fez em 1915 um "Chamamento aos Jovens", um apelo para que eliminassem o que era velho e podre na sociedade chinesa, como que uma selecção natural (de referir que estavam em voga as teorias darwinistas).

A par disso, a Universidade Nacional de Pequim crescia rapidamente em proeminência como líder chinesa no ensino e investigação. Com as reformas de 1917 de Cai Yumpei a universidade abandona o seu cunho conservador e passa a considerar-se que o ensino deveria ter um objectivo mais amplo que o de criar indivíduos que pudessem entrar na administração pública. Deveria, antes, ser um lugar onde se pudesse criar e difundir ideias, com liberdade de pensamento e um debate diversificado. Lu Xun, o grande escritor, defendia, por exemplo, o uso da linguagem vernacular. A sua obra "Diário de um louco" é uma alegoria, em que as pessoas se comem umas às outras, as vítimas impassíveis, denunciando o autor a ideia de submissão expressa nas ideias confucionistas.


O Movimento 4 de Maio (de 1919) - muitas vezes integrado no Movimento Nova Cultura - é uma rebelião cultural surgida na sequência do Tratado de Versalhes, após a I Grande Guerra Mundial. A China havia criado a expectativa de que recuperaria os territórios do Shandong que os japoneses tinham invadido durante a guerra, reclamando a sua sucessão nos direitos da Alemanha (perdedora da guerra) sobre estes territórios. Tal não veio a acontecer e a reacção dos estudantes de Pequim - que se estenderam por toda a China - foi uma grande manifestação, que durou até ao final desse ano, convidando toda a população a juntar-se a eles. Os comerciantes aderem às manifestações e decretam uma série de greves. Ou seja, o movimento passou a ter um alcance diversificado, com a adesão de muitas outras forças sociais, como bombeiros, policias, funcionários postais. A delegação chinesa não assinou o Tratado de Versalhes, mas a situação manteve-se. Anos mais tarde, sob pressão da comunidade internacional, o Japão devolveria os territórios.

A relevância deste Movimento 4 de Maio é tal que, em 1989, os estudantes em Tiananmen invocaram-no - 70 anos depois, entendiam que se deveria seguir as pisadas desse movimento.
Recordar que estes eram ainda tempos de desunião política a nível nacional.

A unificação nacional viria a ser preparada através do estabelecimento de forças do Guomindang no sul, com diligências nesse sentido por parte de Sun Yat-Sen, o pai da nação chinesa. Estabelecido um governo militar em Cantão, em 1923 é iniciada uma expedição para norte, em busca de apoios. O KMT mostrou interesse em aproximar-se dos comunistas, piscando o olho ao apoio russo, à ligação às redes agrárias e às ideias socialistas do Movimento 4 de Maio.

Assim, nesse ano é estabelecido um acordo de cooperação União Soviética - KMT - PCC. Chiang Kai-shek, do KMT, centra sobre si a figura do acordo, indo para a União Soviética para realizar treino e voltando para constituir a Academia Militar de Whampoa. Entre 1923 e 1927 assiste-se à Primeira Frente Unida, aliança entre KMT e PCC (voltariam a cooperar aquando da invasão japonesa dos anos 30). O objectivo era alcançar a unificação e atingir a completa independência nacional. Ambos os partidos eram anti-imperialistas e anti-senhores da guerra.

Diversos incidentes levaram à separação das duas organizações, com purgas dos comunistas dentro do KMT.


Sun Yat-Sen morre em 1925 e Chiang Kai-shek, o novo líder do KMT, segue o seu legado, incluindo a expedição para norte. Aqui foram sendo efectuadas uma série de alianças com vários senhores da guerra durante o caminho. Houve, igualmente, uma aproximação à elite financeira e a organizações como o Gangue Verde, em busca de financiamento.

A unificação nacional é alcançada e entre 1927 e 1937 viver-se-ia a designada "Década de Nanquim", com governo nacionalista. 




Sem comentários:

Enviar um comentário