sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

A Primeira Metade da China Qing

A dinastia Ming começou a entrar em decadência por vários factores. O imperador Wanli, que reinou durante 48 anos, morreu em 1620 e essa decadência acelerou. Aos imperadores faltava-lhe poder efectivo, havendo um domínio da burocracia e dos eunucos. Existiam ainda problemas económicos e fiscais. E também factores externos contribuíram para o seu fim. Invasões japonesas à Coreia envolveram a China na contenda, com perdas humanas e gastos financeiros significativos. Mas o perigo maior viria dos manchus. Numa aliança de tribos, Nurhaci vai anexando territórios e os seus sucessores chegam cada vez mais perto de Pequim. Sucessores dos Jurchen, os manchus assentavam a sua organização no sistema de estandartes, com funções militares, mas também políticas, sociais e económicas.


Em 1644, numa altura de caos fiscal, revoltas camponesas e surtos de banditismo, Li Zicheng, um caudilho, toma Pequim. Vai, então, proclamar a dinastia Shun, com capital em Xi'an, mas esta durará pouco. Wu Sangui, um oficial Ming que haveria de ficar conhecido como um dos três feudatários, pede ajuda aos manchus para combater Li Zicheng e estes aproveitam a vitória para entrarem eles próprios em Pequim. A pacificação da China e a consolidação da dinastia Qing durará cerca de 40 anos, pois, para além dos ditos três feudatários, os manchus tiveram ainda a oposição dos Ming do Sul e do império marítimo dos Zheng. Estes eram uma família de comerciantes do Fujian que se estabeleceu em Taiwan e aproveitou a falta de concorrência derivada do facto de os Ming restringirem o comércio marítimo e os japoneses terem expulsado os portugueses e reduzido os holandeses à ilha de Deshima. Apenas em 1683 conseguiu o imperador Kangxi ordenar um ataque bem sucedido aos Zheng, eles que eram apoiantes dos Ming do Sul.    

A partir desta data os Qing conseguem então a pacificação e partiram para tempos de prosperidade. Muito também graças a três grandes imperadores que através dos seus longos reinados consolidaram a dinastia: Kangxi (reinou entre 1662 e 1722, o maior reinado), Yongzheng (reinou entre 1723 e 1735) e Qianlong (reinou entre 1735 e 1796, tendo abdicado de forma a não governar nem mais um dia do que o seu avô Kangxi havia reinado).


O império Qing mais do que duplicou o território dos Ming, incluindo no seu império o Tibete, a Ásia Interior e Taiwan. E mais do que triplicou a sua população. E lembrar que os Qing foram contemporâneo de outros grandes impérios como os otomanos, os mogóis e os romanov. E com eles verificaram-se influências mútuas entre oriente e ocidente. Mas já lá vamos. Vejamos agora aspectos na sua administração.
Os Qing mantiveram a maioria das práticas Ming e encorajaram os funcionários chineses a servirem a nova dinastia, apesar de terem obrigado os chineses a usarem a sua característica trança, o que muito os humilhou. Não pode deixar de referir-se que os Qing eram considerados bárbaros estrangeiros, ou seja, não han, e eram claramente uma minoria governante.
No entanto, mantiveram algumas das instituições políticas anteriores, como o Grande Secretariado (o órgão executivo), os seis ministérios e o Censorado, para além de terem restaurado a Academia Hanlin. Mantiveram o sistema de exames como forma de recrutamento de oficiais (sistema de mérito, ao contrário do que acontecia nos estandartes, que era hereditário). Quanto à administração provincial, criaram 18 províncias, encontrando-se abaixo desta unidade territorial prefeituras e distritos. À frente de cada província estava um governador, ou um governador geral à frente das províncias maiores ou de conjuntos de duas províncias. A máquina administrativa dos Qing é dual, encontrando-se aí chineses e manchus. 
Mas os Qing criaram três novas instituições que se moviam fora do esquema, segundo uma rede clientelar e não através de funcionários que passaram nos exames. Aqui o sistema de estandartes vai ser particularmente importante, pois era daqui que seguiam os homens para estes novos órgãos. São eles o Lifan Yuan, ou departamento de assuntos coloniais, criado para administrar áreas fora do território chinês tradicional, ou seja, para lá da muralha. A sua função era desenvolver rituais para integrar as populações coloniais no império Qing, através de caçadas ou de missões tributárias. Outro departamento então criado foi o da Casa Imperial, destinado a tratar do património pessoal do imperador e dos seus serviços pessoais. Este é visto como uma resposta ao crescente poder dos eunucos e estes ficaram somente com os serviços mais íntimos, sendo as outras funções preenchidas por funcionários vindos dos estandartes. Por fim, foi ainda criado o Conselho de Estado, ou Grande Conselho, o qual começou por ser uma comissão informal de aconselhamento do imperador para assuntos militares, mas que depois evoluiu para um órgão que se estendeu a todas as áreas da política imperial. Este órgão acabou por tornar-se o mais alto órgão de decisão política e fez com que o Grande Secretariado fosse perdendo a sua força política e poder de decisão. 

Algumas razões para a prosperidade da China na primeira parte da dinastia. Desde logo, mudanças na agricultura, com a introdução de mais variedades de arroz, ou seja, mais colheitas por ano. Também a introdução de novas culturas, sobretudo vindas do novo mundo, como a batata doce, o amendoim e o milho. Ainda, o aproveitamento de terras que não eram adequadas para o cultivo de outros produtos, ou seja, o aumento da terra cultivada. Verificou-se um acentuado crescimento demográfico, para o qual contribuiu igualmente a existência de uma baixa taxação e a baixa de mortalidade e de infanticídio.

Com o território pacificado, os Qing vão ter menos preocupações com a defesa e o comércio internacional vai assumir um papel de grande relevo. Lembrar que a China pretendia enquadrar todos os estrangeiros no seu sistema tributário de comércio, considerando-os como vassalos. Este modelo implicava uma China isolacionista, xenófoba e incapaz de se adaptar a um esquema de estados nações baseados no respeito mútuo e soberania. Mas este sistema tributário havia já perdido dominância antes da conquista dos Qing, muito também porque os custos para o manter eram bastante avultados, constituindo um fardo para o tesouro do estado. Assim, por exemplo, os Ming haviam autorizado já os portugueses a estabelecerem um centro de comércio privado em Macau e os russos em 1689 comerciavam em plano de igualdade com a China. Em 1699 é autorizado aos britânicos o estabelecimento de uma feitoria em Cantão. Este era o porto mais utilizado pelos europeus, dadas as suas vantagens como boas vias. 


Nos finais do século XVII o chá estava a dar os primeiros passos como produto do agrado dos britânicos. Durante o século XVIII a exportação de chá para a Europa vai duplicar sucessivamente. O comércio marítimo de então dos europeus com os chineses envolvia sobretudo a troca de chá por prata. Havia ainda a exportações de alguma porcelana, seda e papéis de parede com motivos chineses. Mas era a prata que os chineses mais queriam e ela é que financiava todo este comércio e terá sido a necessidade de prata por parte dos chineses que desencadeou este comércio globalizado. 


Entre 1760 e 1834 o comércio com os europeus foi-se institucionalizando no sistema de Cantão, segundo o qual o exclusivo de comércio com os ocidentais estava limitado às cohong, um conjunto limitado de corporações de firmas chinesas oficialmente autorizadas a negociar com os ocidentais e responsáveis por policiar este comércio. As regras do jogo eram claramente ditadas pelos chineses; os ocidentais apenas podiam negociar com as cohong e estavam limitados às 13 feitorias e tinham poucos direitos. 

No final do século XVIII verificava-se um défice comercial claro por parte dos europeus, em especial dos britânicos. Estes começam, então, a fazer pressão para uma maior abertura da China. Em 1792, era Qianlong imperador, dá-se a primeira embaixada britânica à China, tendo sido enviado Lord Macartney. Os britânicos estavam influenciados pelas filosofias do comércio livre de Adam Smith (liberalismo) e por isso queriam obrigar os Qing a abandonar as suas limitações à penetração do comércio ocidental. Existiam diferenças claras entre os chineses e os ocidentais: uma obstinação com o arcaico ritual, por contraponto ao racionalíssimo e pragmatismo ocidental; uma abjecta obediência a uma autoridade despótica, em contraste com as premissas de igualdade, dignidade humana e soberania popular ocidentais.
A embaixada de Macartney, que pretendia redução de taxas, abertura de mais portos ao comércio, suscitar o interesse chinês pelos produtos britânicos, autorização para instalação de um embaixador em Pequim, informação sobre a China, dizia, a embaixada de Macartney falha, não sem que este se tenha recusado a fazer o kowtow diante do imperador, ou seja, o ritual e prostração e bater com a cabeça no chão.



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